* Por Modesto Carvalhosa
*Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo deste sábado (1º/7), com o título “O novo código do atraso”.
Pelo visto não é apenas a Grã-Bretanha que se voltou contra a história. O Brasil, guardadas as proporções, ameaça também fazer o seu suicídio no plano do Ordenamento Jurídico, cujo progresso foi duramente conquistado com a unificação do Direito Privado, expresso no Código Civil de 2002.
Pois não é que um grupo de saudosistas do velho e revogado Código Comercial de 1850 deseja ressuscitá-lo por meio de uma lei de 768 artigos: Projeto de Lei 1.572, da Câmara dos Deputados; e PL 487, do Senado Federal. Trata-se de uma verdadeira joia bizantina, que vai trazer uma permanente insegurança jurídica no plano das relações empresariais e dos contratos em geral.
Ocorre que esse monstrengo legislativo, a que se deu o pomposo nome de “Novo Código Comercial Brasileiro”, sob o patrocínio do Deputado Vicente Cândido, do PT de São Paulo, traz o risco de ser aprovado por descuido do Congresso Nacional no próximo dia 7 de julho.
Será uma Brexit tropical. As relações jurídicas no mundo dos negócios e das sociedades mercantis serão profundamente abaladas, sem que os ilustres parlamentares tenham, no entanto, qualquer ideia do desastre que provocarão na sociedade brasileira.
O impacto econômico, que o assim chamado “Novo Código Comercial Brasileiro” trará, foi objeto de um profundo estudo formulado pela professora Luciana Yeung do Insper de São Paulo. Nele ficou demonstrado que os prejuízos para a economia brasileira da implantação desse tardio código napoleônico serão da ordem de R$ 182 bilhões.
Esse valor se refere ao período de adaptação desse imenso código, levando em conta a supressão de direitos de empresas de capital estrangeiro; o aumento exponencial de litígios; o fechamento significativo das empresas e a inibição de abertura de novas; e os custos empresariais com ainda maiores precauções de litígios, ante o caos normativo contido nos 768 artigos desse código de Bizâncio.
O “Novo Código Comercial Brasileiro” é um delírio que não poderia ser levado a sério em qualquer parlamento que tivesse o necessário tempo e capacidade crítica para analisá-lo, o que não é o caso brasileiro, notadamente no período político conturbado em que vivemos.
Para ilustrar o absurdo desse projeto medieval, que contraria a moderna tendência do direito de promover a liberdade contratual e o incentivo à participação internacional, o credor estrangeiro somente receberá seus créditos depois de pagos todos os demais credores nacionais.
Ademais o ressuscitado Código Comercial, de 1850, que ameaça ser aprovado nos próximos dias no Congresso, intervém frontalmente na disciplina da sociedade por ações, ocupando-se de operações sociais e de grupos societários.
Criam-se, por essa profunda regressão legislativa, centenas de regras que acarretam custos totalmente desnecessários a onerar, ainda mais, as atividades empresariais.
Interfere essa infeliz iniciativa legiferante, em matéria de repressão ao abuso do poder econômico, criando regras sobre concorrência desleal; subverte o princípio da boa-fé, que é um dos fundamentos do Código Civil brasileiro; e interfere profundamente no Código de Processo Civil, no capítulo da produção de provas.
Trata-se de uma iniciativa fantasiosa, desastrosa e irresponsável, sobretudo num país que está à procura da segurança jurídica necessária a novos investimentos locais e internacionais e que, no entanto, vai encontrar um obstáculo intransponível nesse anunciado caos de centenas de normas desconexas, retrógradas e xenófobas, que não podem prevalecer, sob pena de o Brasil afundar ainda mais por falta de segurança jurídica no campo da atividade econômica.
* Modesto Carvalhosa é jurista, autor de “Considerações Sobre a Lei Anticorrupção da Pessoa Jurídica” (Ed. Revista dos Tribunais, 2014) e do “Livro Negro da Corrupção’ (Ed. Paz e Terra, 1995), ganhador do Prêmio Jabuti.
(Revista Consultor Jurídico, 3 de julho de 2016, 10h37)