Márcio Valentir Ugliara*
Artigo elaborado em 08/07/2013.
A escolha do tipo societário mais adequado a cada empreendimento é decisão de suma importância a ser tomada pelos donos do negócio, uma vez que será definido a partir daí o conjunto de normas que regerão não só a atividade, como também a relação entre os sócios, de modo que esse tipo de aconselhamento jurídico é tópico importante a nortear a construção e direcionamento do “business plan” do empresário.
Considerando-se que cada tipo societário contempla limitações intrínsecas ao seu instituto jurídico, torna-se pressuposto nesse aspecto a busca pelo melhor acomodamento possível dos interesses envolvidos, tendo em vista que nem sempre será factível trabalhar com um regramento que esteja cem por cento adequado a todas as transformações que a sociedade passará ao longo de toda a sua existência.
Nesse tipo de enfrentamento, chama a atenção a análise das limitações jurídicas trazidas pelo Código Civil de 2002 às sociedades constituídas sob a forma de cotas de responsabilidade limitada, justamente por ser o tipo societário mais utilizado no Brasil. Segundo último levantamento divulgado pelo Departamento Nacional de Registro de Comércio, já datado de cerca de dez anos, entre os anos de 1985 e 2005 as sociedades limitadas respondiam por 48,23% dos tipos societários constituídos em juntas comerciais no país[1].
Considerando-se, ainda, que no ano de 2010, após um cilco econômico de alta, o Brasil ocupava a posição do país cuja população tem o maior perfil empreendedor do bloco do G20 e do Bric (a taxa de empreendedores em estágio inicial – TEA – corresponde a 17,5% da população adulta ou 21,1 milhões de pessoas[2]), a problemática ganha especial amplificação no mundo dos negócios por abranger o tipo societário mais utilizado em um país com alta inclinação à atividade empreendedora, o que certamente impactará não só na performance dessas organizações, mais sujeitas a travas de natureza jurídica, como também na eclosão de conflitos a serem dirimidos pelo Poder Judiciário.
Vale atentar que a sociedade limitada era anteriormente disciplinada de forma mais genérica pelo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, o qual determinava em seu artigo 18[3] que o quanto não regulado no estatuto social seria normatizado de forma supletiva pelas disposições da lei das sociedade anônimas, diploma legal frequentemente elogiado e considerado de boa construção legislativa, é fato que as limitações abordadas neste artigo não existiam antes da entrada em vigor do atual Código Civil, em 10 de janeiro de 2003.
A despeito de regrar com mais detalhes e de forma específica a sociedade limitada, a última codificação impõs a esse tipo societário uma série de inovações, exigências de quóruns qualificados para aprovação de mudanças e regramentos específicos, cuja hermenêutica controvertida quanto a efeitos e consequências jurídicas requerem especial atenção para que a estrutura empresarial não passe por dificuldades gerenciais, situação que per si impõe insegurança jurídica e instabilidade às relações negociais.
Por primeiro, chama a atenção o fato da lei determinar em seu artigo 1.053 que na omissão do contrato social, aplicam-se subsidiariamente a todas as sociedades limitadas as regras relativas as sociedades simples (artigos 997 a 1.038 do Código Civil), sendo que somente a menção e contratação expressa é que fará com que a legislação das sociedades anônimas seja utilizada como aplicação secundária às sociedades limitadas (§único do artigo 1.053).
Essa simples presunção legal impõe consequências incompatíveis e muitas vezes desastroasas para as sociedades limitadas que possuem natureza empresária, caracterizadas pela produção, circulação de bens ou serviços em caráter empresarial, as quais jamais poderiam ser tratadas, mesmo que subsidiariamente, por qualquer instituto da sociedade simples, esta sim frequentemente marcada pela pessoalidade dos sócios na persecução do objeto social (e.g. prestação de serviços de natureza intelectual) e não pela empresarialidade das atividades.
Como situações decorrentes desta presunção (regência supletiva pela sociedade simples, salvo contratação expressa para aplicação subsidiária da lei das sociedades anônimas), pode-se citar a necessidade da sociedade ter de demonstrar especificamente em juízo a sua natureza empresária, sob pena de não ter acesso aos benefícios da lei de falência e recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005).
Outra situação ocorre no caso de empate nas deliberações sociais. Como o Código Civil não disciplina esta hipótese, a aplicação do regramento destinado às sociedades simples (artigo 1.010, §2º, CC) levaria o desempate na sociedade empresária pelo número de sócios, pouco importando o valor de suas quotas, situação incompatível para esse tipo de sociedade, ao passo que a regência pela Lei das Sociedades Anônimas (artigo 129, §2º, LSA) determina a realização de nova assembléia, com prazo mínimo de 2 meses, e se persistir o empate a questão deve ser colocada para decisão judicial.
Desse modo, entende-se não recomendável a prática de atribuir às sociedades limitadas a aplicação subsidiária automática das normas relativas às sociedades simples, o que seria corrigido com a menção expressa pelo Código Civil que “as sociedade limitadas empresárias devem ser supletivamente regidas pela lei aplicável às sociedades anônimas fechadas”. As sociedades limitadas simples já estariam automaticamente regidas pelos artigos 997 a 1.038 do Código Civil, nao havendo necessidade de previsão.
Em segundo lugar, inexiste nas disposições pertinentes às sociedades limitadas norma que preveja a dissolução parcial por força do exercício do direito de retirada do sócio, situação contemplada apenas na seção relativa às sociedades simples, o que gera inúmeros conflitos para serem dirimidos a cargo da jurisprudência.
Outra limitação imposta pela atual codificação às sociedades limitadas diz respeito ao estabelecimento de quórum diferenciado para deliberação dos sócios (artigo 1.076 do Código Cicil), o que leva à conclusão de que para se exercer o controle de uma sociedade limitada deve-se deter 75% (setenta e cinco por cento) do capital social e não a maioria como na legislação anterior.
Esse elevado percentual impõe um injustificável engessamento na sociedade, pois deve-se observar uma necessária concentração de capital para que se mantenha o controle societário, obrigando o empreendedor a estar sempre atento para situações que possam alterar a distribuição das quotas, como o falecimento e ingresso de herdeiros, hipóteses que fazem com que estudos de planejamento sucessório sejam cuidadosamente traçados, sob pena da sociedade empresária se sujeitar à insegurança de não haver consenso nas deliberações, o que certamente acarretaria o seu fim.
No mesmo sentido das situações acima descritas, todo o regramento das sociedades limitadas é reputado excessivamente burocratizado e com inúmeros quóruns de observância, o que torna complicada a gestão desta importante espécie societária, expondo-a a riscos jurídicos interpretativos e tornando a vida empresária mais incerta e onerosa, o que fatalmente impacta no custo de produtos e serviços, diretriz que certamente vai de encontro aos objetivos finalísticos do Direito, que em suma é propiciar segurança, equilíbrio e bem comum nas relações socais.
As normas de direito societário contidas no atual Código Civil são objeto de pesadas críticas da doutrina especializada, clamando por mudanças a fim de fortalecer o ambiente negocial no Brasil, o que também motivou a elaboração de um novo Código Comercial de autoria do Professor Fábio Ulhoa Coelho, em trâmite na Câmara dos Deputados sob a forma do projeto de Lei nº 1.572/2011.
Em conclusão ao abordado, espera-se realmente que tais questões sejam objeto de evolução legislativa, a fim de conferir à atividade empresária o ambiente jurídico necessário para propiciar o esperado crescimento econômico ao Brasil.
[1] Sítio eletrônico do DNRC – http://www.dnrc.gov.br
[2] Fonte: Agência Sebrae – http://www.agenciasebrae.com.br/noticia/11822282/geral/brasil-tem-a-maior-taxa-empreendedora-do-g20-e-do-bric/
[3] Art. 18. Serão observadas quanto ás sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas.