Ministros definirão se esses créditos podem ser cobrados integralmente e a partir de quando
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve analisar na quinta-feira uma importante questão para os processos de recuperação judicial. Os ministros vão definir se credores que não foram incluídos pelo devedor no plano podem cobrar seus créditos integralmente e a partir de qual momento – do encerramento da recuperação ou só depois de pagas as dívidas negociadas.
É o primeiro caso sobre o assunto a ser julgado pelo colegiado responsável por uniformizar o entendimento das turmas de direito privado. Segundo advogados, uma decisão que abra caminho para a cobrança integral dos créditos, antes de quitado todo o passivo, geraria desigualdade entre credores e abalaria o sistema de recuperação de empresas.
“É um benefício que esvazia a recuperação judicial”, afirma a advogada Ana Tereza Basilio, vice-presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e que representa no processo a Inepar, que está em recuperação judicial (REsp 1655705). No caso,
a credora, a Videolar-Innova S.A., pretende executar fora da recuperação judicial um crédito de R$ 26,8 milhões em valores de 2019.
Segundo Ana Tereza, o credor que não foi listado tem a faculdade de se habilitar na recuperação. Mas deve obrigatoriamente receber seu crédito nas mesmas condições e prazos estabelecidos aos que participaram das negociações. “Ele deve estar sujeito aos efeitos do
plano por ser norma de ordem pública”, afirma.
O problema acontece porque quando a empresa pede a recuperação na Justiça nem todos os créditos estão líquidos e certos. Existem casos em que ainda há discussão judicial sobre se o montante é devido e outros em que o valor da dívida ainda não está definido.
Em dezembro, o STJ decidiu, em recurso repetitivo, que estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os créditos cujos fatos que o geraram ocorreram antes do pedido pela empresa (Tema 1051). Mas a Corte entende também que se um credor não foi incluído no quadro geral pelo devedor ou administrador judicial, ele não é obrigado a ingressar na recuperação.
A atenção do mercado sobre o assunto foi aguçada depois que a 4ª Turma do STJ decidiu, em maio, que um credor que ficou de fora da recuperação da Oi pode cobrar o valor integral do seu crédito após encerrada a recuperação. Os ministros, porém, não especificaram se a
cobrança está liberada depois da sentença que põe fim ao processo ou do pagamento de todas as dívidas negociadas no plano.
No caso da operadora de telefonia, que possui R$ 30 bilhões em dívidas, a diferença é abissal. O plano de pagamento possui prazo de 20 anos, enquanto o encerramento do processo de recuperação está previsto para o próximo mês.
Em agosto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que compõe a 3ª Turma, explicitou entendimento que o mercado temia. Em decisão monocrática (individual), definiu que outro credor da Oi que ficou de fora do plano pode cobrar a dívida após o fim do processo de recuperação judicial, estabelecido nos artigos 61 e 63 da Lei de Recuperação e Falências (nº11.101/2005).
“Quanto ao momento em que a execução deva retomar seu curso, não há omissão na decisão ora embargada, tendo-se explicitado como marco temporal o ‘encerramento da recuperação’ judicial, marco temporal que não se confunde com a longínqua data prevista para pagamento de todos os credores (EDcl no REsp 1906680).
De acordo com o advogado Humberto Lodi Chaves, que representa os credores da Oi não habilitados no plano, as execuções contra a operadora poderão prosseguir na Justiça a partir de outubro, quando está previsto o encerramento da recuperação. “Esse esclarecimento serve para todos os casos idênticos, pois esclarece que o encerramento da recuperação não se confunde com o cumprimento das obrigações assumidas com os credores”, diz.
Especialistas na área de insolvência apontam reflexos negativos do entendimento para o sistema de recuperação judicial. “Não se pode prestigiar quem não é diligente e dar tratamento diferenciado a ele. Todos devem se submeter à solidarização do sacrifício”, afirma o
desembargador aposentado Luiz Roberto Ayoub, hoje sócio do Galdino & Coelho Advogados.
A advogada Renata Oliveira, sócia do Machado Meyer Advogados, concorda. “Dar tratamento distinto a credores com interesses iguais implode a lógica da recuperação judicial. Não há estímulo para fazer o credor se habilitar”, diz ela, acrescentando que o entendimento aplicado pelo tribunal a alguns casos pode se espalhar para diversas outras recuperações.
Márcio Guimarães, professor da FGV-RJ que atuou por anos na Promotoria de Massas Falidas, do Ministério Público do Rio de Janeiro, aponta que, no limite, abre-se brecha para “grandes conluios entre credores e devedores” para deixar certos créditos de fora da recuperação com o fim de conseguir o pagamento integral depois do encerramento do processo.
“O essencial na negociação coletiva é o domínio do fato que se dá com simetria de informações. Isso é fundamental para o credor decidir se vai aprovar o plano e o investidor se vai fazer empréstimos Dip Financing, por exemplo”, diz Guimarães. “Não pode haver surpresas”.
Em nota, a Oi defende que o credor deve ter a opção de executar o crédito nos termos do plano aprovado ou aguardar o fim da recuperação – ou seja, quando forem pagos todos os valores a ela submetidos – para executá-lo, nesse caso, nas condições originais.
Fonte: Valor Econômico