Até que o Brasil tenha maturidade sobre o Direito ao Esquecimento, a análise do judiciário caso a caso é a melhor solução. Quem afirma é o advogado da Google Guilherme Sanchez.
Ainda carente de regulamentação os conflitos da internet estão chegando aos tribunais do país. Precedentes apontam que o buscador, como o Google, não pode ser obrigado a remover um resultado de um endereço que ainda permanece na internet, isso é, no site que publicou o conteúdo originalmente.
Segundo Sanchez, o entendimento é que a ferramenta de busca reflete conteúdo que existe na internet. “Seja por ordem judicial ou porque o dono do conteúdo, o webmaster, resolveu removê-lo, esse conteúdo naturalmente sai da busca”, afirmou. (Leia a entrevista ao final da reportagem)
No Brasil, o Marco Civil da Internet determinou ser necessária uma decisão judicial específica indicando os URLs para que possa haver a retirada de conteúdo da internet. Mas ainda assim não há uma regulamentação específica para a internet. Críticos apontam que o Marco Civil da Internet foi uma tentativa de regular o seu uso, mas não foi suficiente.
Por enquanto, os tribunais têm se guiado pelo enunciado 531, do Conselho de Justiça Federal, que determina que o direito ao esquecimento não se sobrepõe ao direito à liberdade de informação e de manifestação de pensamento, mas ressalta que há limites para essas prerrogativas.
O tema foi abordado no “XIX Congresso Internacional de Direito Constitucional”, realizado no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em Brasília, nesta sexta-feira (28/10).
Durante o congresso, o ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, citou a discussão sobre direito ao esquecimento na nova perspectiva com “o mundo da internet” e da tutela da dignidade humana na sociedade da informação. Ele defendeu a necessidade de se analisar caso a caso o direito ao dano de cada pessoa, mas criticou o modo como o pedido tem sido abordado.
“O debate está um pouco desvirtuado porque começou a se levar isso como uma espécie de censura e proibição, ninguém faz censura prévia, vai ser avaliado depois se a pessoa tem o direito a ser esquecida mesmo ou se a divulgação daquele dado representa para ela constrangimento”, afirmou.
O ministro participou do julgamento de dois casos envolvendo o direito ao esquecimento que ganharam notoriedade no Brasil. Tratam-se dos casos da Chacina da Candelária e Aída Curi, em ambos, há o pedido pelo reconhecimento do direito ao esquecimento. Os dois aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal, um deles inclusive com repercussão geral reconhecida.
Os casos foram julgados pelo STJ na mesma sessão, mas obtiveram respostas diferentes.
A história do crime que envolveu Aida Curi, que morreu em julho de 1958, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, aos 18 anos, foi apresentada no programa Linha Direta, da TV Globo.
Por considerar que o programa trouxe lembrança do crime e todo sofrimento que o envolve, os irmãos da vítima entraram com ação contra a emissora com o objetivo de receber indenização por danos morais, materiais e à imagem.
Por maioria de votos, a 4ª Turma do STJ negou direito de indenização aos familiares de Aída Curi por entender que o crime era indissociável do nome da vítima. Isto é, não era possível que a emissora retratasse essa história omitindo o nome da vítima.
Para a turma, a divulgação da foto da vítima, mesmo sem consentimento da família, não configurou abalo moral indenizável.
Já o caso conhecido como Chacina da Candelária não teve a mesma resposta do tribunal.
O crime aconteceu na madrugada de 23 de julho de 1993, onde homens armados atiraram em mais de 40 crianças e adolescentes que dormiam nos arredores da Igreja da Candelária, no Centro do Rio.
O pedido ao STJ, baseado no direito ao esquecimento, foi apresentado por um homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina e que, anos depois de absolvido foi retratado pelo programa Linha Direta, da TV Globo.
O caso também foi analisado pela 4ª turma do STJ que reconheceu o direito ao esquecimento ao homem. O entendimento foi de que se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes e à exclusão dos registros da condenação no instituto de identificação, aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma.
Além disso, os ministros entenderam que a ocultação do nome e da fisionomia do autor da ação não macularia sua honra nem afetaria a liberdade de imprensa. A emissora foi condenada ao pagamento de indenização no valor R$ 50 mil. Agora, o caso aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal.
Leia a entrevista com o advogado Guilherme Sanchez
JOTA – Na Europa, a retirada de conteúdo na internet não depende de decisão judicial. No Brasil é diferente. O doutor poderia explicar o mecanismo utilizado no Brasil para que seja possível retirar conteúdo das redes?
Sanchez – No Brasil a legislação é clara, o artigo 19 do Marco Civil diz que é necessária uma decisão judicial específica indicando os URLs, essa é a jurisprudência do STJ, para que possa haver a retirada de conteúdo da internet. Lembrando que nesse caso é o conteúdo hospedado por websites e que a pesquisa, uma vez que o conteúdo não está mais disponível, o buscador não vai mais refletir o conteúdo. Mas no Brasil o padrão definido pelo marco civil é que há decisão determinando a remoção de conteúdo, esse conteúdo cai.
JOTA – Qual é a responsabilidade do Google, como buscador, com o conteúdo que esteja sendo questionado judicialmente?
Sanchez – O entendimento é que a ferramenta de busca reflete conteúdo que existe na internet. Seja por ordem judicial ou porque o dono do conteúdo, o webmaster, resolveu removê-lo, esse conteúdo naturalmente sai da busca. O que a jurisprudência brasileira vem definindo é que o buscador não pode ser obrigado a remover um resultado de um endereço que ainda está na internet. Neste caso o buscador não é obrigado a remover.
JOTA – A relação com o Direito ao Esquecimento na Europa é diferente do Brasil. Qual é a dificuldade de retirar conteúdo na internet aplicando o direito ao esquecimento na Europa?
Sanchez – Os números que estão no nosso relatório de transparência, acessível para qualquer pessoa, dizem que por volta de 56% dos pedidos de remoção de conteúdo na Europa, com base no direito ao esquecimento da Europa, foram indeferidos. Isso significa que eles não tinham os requisitos para que fossem removidos de acordo com a legislação da Europa. É um número alto considerando a quantidade de pedidos que são indeferidos.
JOTA – O Brasil já está preparado para elaborar uma tese geral que abranja situações que envolvem direito ao esquecimento ou ainda é necessário avaliar caso a caso?
Sanchez – A questão está muito incipiente ainda no Brasil para estabelecer uma regra a priori sobre a matéria de direito ao esquecimento. Hoje, há casos ainda aguardando no Supremo, com repercussão geral reconhecida, então acho que a solução caso a caso analisando a circunstâncias de cada caso identificando qual princípio prevalece. Lembrando que a nossa Constituição privilegia a liberdade de expressão e informação, mas a análise casuística, até que a gente tenha maturidade sobre essa questão, é a melhor solução mesmo.
Fonte: Portal Jota